Os pilares da Cidade Criativa Pedra
Branca
Como criar um bairro a partir do zero? Há 20 anos, essa era a grande
questão que norteava os debates entre os membros da família Gomes. Eles estavam
determinados a transformar a fazenda que possuíam no município de Palhoça (SC) em
um empreendimento imobiliário diferenciado. Localizado no entorno do Morro da
Pedra Branca, e com privilegiada vista para este ícone da Grande Florianópolis,
o bairro seria batizado de ‘Pedra Branca’ – essa era uma convicção unânime. Das
incertezas em relação ao modelo a ser seguido, vieram pesquisas, estudos e parcerias,
e a certeza do propósito: construir uma ‘cidade’ para pessoas.
“Existia uma fazenda de 150 mil metros quadrados e a urbanização de
Palhoça mais ao Norte. Naquele início, sabíamos que precisávamos ter uma
‘âncora’, e a educação surgiu como a âncora transformadora”, recorda Marcelo
Gomes, diretor executivo da Cidade Pedra Branca. Estabeleceu-se uma parceria
com a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) para implantação de um
campus no local. “Trouxemos eles para o coração da ‘fazenda’ e, assim, nasceu o
bairro Cidade Universitária Pedra Branca. Fomos batizados assim”, conta o
empresário.
A partir do planejamento urbano do bairro, com plano diretor
desenvolvido pelo escritório Vigliecca & Associados e pela arquiteta e
urbanista Silvia Lenzi, 2.000 lotes foram comercializados rapidamente, na parte
‘horizontal’ da fazenda. “Vendíamos de 200 a 300 lotes por ano”, afirma
Marcelo. O empreendimento era prioritariamente residencial, com imóveis de
elevado padrão sendo construídos no entorno da universidade e nas ruas
adjacentes ao lago existente no local.
A transformação
De Cidade Universitária Pedra Branca à Cidade Criativa Pedra Branca, que
atualmente registra uma população de 12 mil moradores, 8 mil trabalhadores e 7
mil estudantes, a transformação do empreendimento passou por uma evolução do
conceito, acompanhando as mudanças de paradigmas em relação ao planejamento
urbano. “Havia uma parte do empreendimento a ser desenvolvida e decidimos
buscar o que havia de mais moderno, considerando o que poderíamos fazer de
diferente. E, então, conhecemos o ‘Novo Urbanismo’”, explica Marcelo.
O empresário revela o quanto ficaram “apaixonados” por esse conceito
quando, em 2005, participaram de um congresso nos Estados Unidos cujo tema
principal era ‘como construir bairros voltados para as pessoas’. “Ficamos, nos
anos seguintes, estudando como fazer esse projeto, que viria a ser tornar
pioneiro no Brasil”, explica. Naquele mesmo ano, decidiram contratar o escritório
de arquitetura DPZ Latin America, um dos mentores deste movimento que passava a
ser adotado mundo afora. “Vamos construir um bairro onde as pessoas possam
trabalhar, morar, estudar e se divertir ao alcance de uma caminhada. Esta é uma
frase da arquiteta Silvia Lenzi que passou a nortear nossos trabalhos”,
sintetiza Marcelo Gomes. E complementa: “vamos pensar as cidades como eram pensadas antigamente, com uma praça e o
comércio no centrinho. Vamos fazer as pessoas voltarem a se encontrar. Nós nos
apaixonamos por esse conceito e achamos que tinha tudo a ver com o futuro da
Pedra Branca”, justifica.
Considerando que a Cidade Pedra Branca era um projeto em grande escala, os
empreendedores entenderam que deveriam formar um grande time. “Procuramos
trazer a maior quantidade de profissionais possível, e aumentamos cada vez mais
esse leque. E, então, surgiu a ideia de realizarmos o projeto da ‘charrete’,
juntando todos os arquitetos”, conta Marcelo, referindo-se ao método de
trabalho adotado para o planejamento da nova fase do empreendimento.
Escritórios de arquitetura de referência em Santa Catarina foram
contratados para desenvolverem, em conjunto, o novo Masterplan: RC Arquitetos, Studio Domo, Mantovani
e Rita, Marchetti Bonetti, Teixeira Netto, Desenho Alternativo, MOS Arquitetos
Associados e Silvia Lenzi. “’Criem um
bairro ideal’. Essa foi a encomenda que fizemos para essa turma”, diz o
empresário. Os trabalhos seguiram a consultoria de especialistas dos
escritórios DPZ Latin America, Jaime Lerner Arquitetura e Urbanismo e o
dinamarquês Gehl Architects, e estudos contratados a laboratórios da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O plano diretor inicial, planejado no tradicional formato de ‘espinha de
peixe’, passou a ser repensado e redesenhado. E uma nova centralidade de bairro
foi criada, com uma proposta inovadora que atraiu investidores e veio a ser reconhecida
e premiada internacionalmente. A base foi erguida sobre cinco pilares, que
nortearam e ainda norteiam todo o desenvolvimento dos trabalhos. São eles:
Pilar 1 – Densidade Equilibrada – Compacta
A Cidade Pedra Branca foi planejada para acolher, num futuro próximo, 40
mil moradores, 30 mil trabalhadores e 10 mil estudantes, de forma equilibrada.
A quantidade de quadras planejadas e de empreendimentos seguiu cuidadoso
planejamento.
O investimento na fase de projeto, de planejamento, foi a garantia do
sucesso do empreendimento, assim como o compromisso com a gestão. “Só entregar
o produto para o cliente não basta; com o tempo, ele vai perdendo os conceitos”, avalia Marcelo. Seguindo a chamada
previsibilidade na construção civil, a Pedra Branca assumiu, por algum tempo, a
manutenção dos empreendimentos e a gestão urbana, considerando, inclusive, a
constituição de uma associação de moradores, a análise do mix de lojas, a
realização de eventos, a segurança. “Fizemos o acompanhamento de tudo e
seguimos trabalhando para ver se o que está sendo construído está de acordo;
esse planejamento tem valor”, frisa.
Pilar 2 – Conectada e Sustentável
Na época do lançamento do bairro Cidade Pedra Branca, o slogan ‘Cidade
Sustentável’ acompanhava a comunicação e a divulgação do empreendimento. “Esse
conceito veio junto com o prêmio que recebemos da Fundação Clinton, em 2009,
com o convite para participarmos do Programa Clima Positivo, que escolheu 18
projetos no mundo para promover o relacionamento entre as empresas para a
construção de bairros sustentáveis”, explica.
Porém, com o passar do tempo, entendeu-se que o conceito deveria ser
ampliado, pois os moradores e usuários estavam também no foco do projeto. E o
slogan ‘urbanismo sustentável’ foi adotado. “Para permitir que o usuário do
bairro seja mais sustentável, vamos dar um prédio com infraestrutura de alta
performance de sustentabilidade, que economiza água e energia. Essa mistura é
que faz uma cidade sustentável”, exemplifica. Esse conceito foi o grande imã
para atração de investidores e moradores. “Muitas pessoas vieram morar na Pedra
Branca por causa da sustentabilidade. Elas já tinham esse mind set e apaixonaram-se pela nossa proposta”, conta Marcelo.
Pilar 3 – Prioridade ao Pedestre
Na fase de planejamento, questões
importantes passaram a pontuar o debate. Como o pedestre vai circular por aqui?
Qual será a velocidade dos carros? O que é, afinal, uma cidade para caminhar? Essas
reflexões surgiram a partir da leitura do livro ‘Cidade para Pessoas’, do
arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, referência mundial no tema. “Ele
entra numa escala que a gente não tinha desenhado: a do pedestre. Então, ele
surge para mudar essa chave na nossa cabeça”, reconhece Marcelo. Decidiram,
assim, rever todo o projeto: “lá vamos nós mudar tudo. Isso precisa estar ali”.
“Quando os primeiros prédios começaram a ficar prontos, percebemos que a
rua não era uma rua para pedestres. Aprendemos que, se o pedestre está
caminhando a 4 km/hora, por exemplo, a cada 10 metros é preciso ter uma fachada
diferente, um detalhe arquitetônico, um banco, uma árvore. Além disso, os
apartamentos-jardins, que já existiam no projeto, não ‘conversavam’ com a rua”,
alega. A partir desses estudos, os empreendedores tomaram a decisão de refazer
a rua principal da nova centralidade de bairro. “Foi a maior ‘maluquice’. Ela
estava asfaltada, com palmeiras imperiais dos dois lados da via e calçadas
concretadas de três metros de largura”, recorda.
Ampliar as calçadas, inserir mobiliário urbano e reduzir a velocidade dos
carros eram as premissas. A equipe do escritório JA8 Arquitetura e Paisagem,
coordenada pela arquiteta e urbanista Juliana Castro, assumiu o projeto de arquitetura
paisagística. E assim nasceu o Passeio Pedra Branca, inaugurado em 2013. Uma
nova e importante etapa era iniciada, e o conceito evoluiu para ‘Cidade para
pessoas’.
Pilar 4 – Uso misto, Espaços Públicos Atraentes e Seguros
“O conceito de
‘Cidade para Pessoas’ sempre esteve muito forte em nosso discurso. Sempre
entendemos como é importante ter uma praça, um banco”, reforça Marcelo,
argumentando que, quanto mais as pessoas usarem o espaço urbano, mais segurança
ele proporcionará. Daí a decisão pela diversidade de usos, com imóveis
residenciais e comerciais, oferendo um variado mix de produtos e serviços para
compras e lazer, estimulando a vida urbana durante o dia e à noite. E do
investimento em uma infraestrutura de segurança. “Seguimos o conceito de ‘uma
cidade aos seus pés’, ou seja, voltada para servir à vida das pessoas”,
acrescenta.
Para estimular a vida urbana é necessário oferecer espaços públicos
atraentes. “Nossos produtos têm de
elevar o padrão das pessoas em relação à estética. Nessa apropriação do belo,
chamamos os melhores arquitetos da região. O binômio ‘estética e
sustentabilidade’ era considerado o tempo todo durante o planejamento, pois são
fatores que não poderiam estar dissociados”, enfatiza Marcelo.
A mistura de usos era outro pilar importante. E, nesse sentido, outra
questão era sempre recorrente: “como trazer mais empresas para cá?”. “Começamos
a transformar Palhoça e a Pedra Branca em polos atrativos para o setor da tecnologia,
aproveitando a ‘onda’ que Florianópolis estava surfando na época”, revela o
diretor. Assim, em parceria com o poder
público e instituições locais, idealizou-se a criação de uma associação para
fomentar a atração de empresas e mudar o perfil de empregos oferecidos no
bairro. Pedra Branca, Prefeitura de Palhoça, Unisul e a Associação Comercial de
Palhoça uniram-se na constituição da Fundação do Instituto de Apoio a
Inovação, Incubação e Tecnologia da Palhoça (Inaitec), em 2010. “Somos uma
cidade menor; temos que ser mais atrativos e mais baratos. Temos
infraestrutura, uma universidade e precisamos oferecer incentivo fiscal”,
pensavam.
Pilar 5 – Criativa & Complexa
As pesquisas e estudos de campo realizados pelos empreendedores sobre o
chamado Novo Urbanismo incluíram uma visita ao ‘Vale do Silício’, nos Estados
Unidos, região que reúne as maiores empresas de tecnologia do mundo, localizada
a 60 quilômetros da cidade de São Francisco.
“Fomos conhecer aquelas grandes empresas que lá estão, entre elas a
SISCO, uma das primeiras a se instalar lá, na década de 1980. A empresa ocupava
diversos prédios, de um ou dois pavimentos cada, nomeados por letras. Eram
diversos prédios, quase um alfabeto inteiro, e um estacionamento gigante, com
uma enormidade de carros estacionados”, descreve Marcelo.
Durante a conversa, o gestor da empresa confessou que aquele modelo
estava ultrapassado, e que as novas empresas não querem mais essa estrutura.
Elas querem é voltar para o centro de São Francisco, onde está a vida urbana. “Ele
disse: os Millennials não querem trabalhar aqui; eles querem estar perto do
centro e fazer tudo a pé. E então percebemos que era exatamente isso que
estávamos oferecendo na Pedra Branca, e estava de acordo com tudo o que
vínhamos lendo até então”, revela Marcelo. “Isso é uma cidade criativa”, celebra.
Para ele, a densidade urbana é que faz a diferença. “A grande quantidade
de pessoas em um mesmo lugar faz com que elas ‘se esbarrem’ e a conversem entre
si. Se as pessoas param de se encontrar, ficam isoladas e perdem, também, o
contato com a realidade”, reforça. E, mais uma vez, o conceito da Pedra Branca
evoluiu. Agora, a Cidade Pedra Branca é ‘Cidade Criativa’. “Cidade criativa
encaixa tudo: sustentabilidade, pessoas. Oferecemos espaços onde as pessoas
podem se encontrar, possam conviver. Essa mistura é que transforma a cidade
numa cidade criativa, e mais duradoura”, reforça.
Diversidade e resiliência são conceitos incorporados ao DNA da Pedra
Branca, cujo projeto urbanístico é constantemente aprimorado em função da sua
influência sobre a dinâmica e a rotina de moradores, trabalhadores,
empreendedores, estudantes e visitantes. “A gente melhora a vida das pessoas na
cidade”, pontua Marcelo Gomes.
Por Letícia Wilson, da Santa Editora