Por Caio Esteves
ERA UM DIA ENSOLARADO. Após uma busca na Internet, verifiquei que o ano era 2013 – eu não tinha percebido que havia se passado tanto tempo. Depois de pousar em Florianópolis, ainda muito cedo fui levado a um bairro que parecia muito distante naquele momento. O trânsito pesado da Ilha de Santa Catarina, chamado de “fila”, para surpresa de um paulista que supostamente entende de trânsito, parecia aumentar ainda mais a distância.
A Pedra Branca recebe, tradicionalmente, visitantes de todos os lugares, interessados em ver a consolidação de ideias que ainda hoje são raras no mercado imobiliário brasileiro e, comumente, precisam de dez a doze horas de voo para serem vividas em outros lados do mundo. Naquele dia, eu era mais um desses visitantes. Eu estava numa missão com outros empreendedores de São Paulo, meus clientes, numa época em que eu acabara de começar no tal place branding, conceito que, assim como o do Novo Urbanismo, precisava de muitas horas dentro de um avião apertado para ser vivenciado. Lembro-me do Passeio Pedra Branca ainda em construção, com uma única operação comercial. Lembro bem da praça central, do mega estande de vendas. Eu não parava de pensar onde aquilo poderia chegar, com uma comunidade estruturada e engajada. Saí de lá ansioso para ver o lugar em todo o potencial, o qual, naquele momento, eu já imaginara.
Quando me convidaram para escrever esse texto, fiz um rápido retrospecto de quando voltei à Cidade Pedra Branca, em 2019, para uma palestra sobre meu livro (Place Branding, Editora Simonsen, 2016). A surpresa foi enorme: o que eu tinha imaginado lá atrás havia se concretizado. As ruas vivas, os estabelecimentos comerciais funcionando e atividades, várias atividades, tantas que perguntei se eram figurantes contratados só para me impressionar, ao melhor estilo Show de Truman. Claro que não. Até porque não teriam motivo para me impressionar – eu já compartilhava da ideia muito antes do que eles imaginavam.
É com essas memórias que escrevo esse breve texto sobre a vida comunitária, em um momento antagônico a tudo que escrevi até agora, ou, pelo menos, aparentemente antagônico. E é sobre esse paradoxo que desenvolverei as próximas linhas. Por alguns longos meses em 2020, no Brasil e no mundo, todos nos recolhemos a nossas casas. A pandemia e a mistura de medo do contágio com o desejo de solidariedade com os mais vulneráveis nos tirou de circulação, literalmente. Os lugares tiveram sua vida ceifada, sem muitos avisos. Se um lugar é feito pelas pessoas (assim como deveria ser feito para as pessoas), como diz a geografia humanista, cidades, bairros, calçadas, praças sem pessoas são lugares mortos. De uma hora para outra, o mundo todo se transformou num enorme “não lugar”, que, no conceito do antropólogo francês Marc Augé, é um lugar transitório, sem significado suficiente para ser um lugar de fato. As cidades transformaram-se exatamente nisso, ou seja, trânsito, passagem e caminho, para o supermercado, para a farmácia, e, nos piores casos, para o hospital.
Se, por um lado, a vida comunitária no espaço coletivo acabou, ao menos momentaneamente, por outro, percebeu-se que as comunidades continuavam ativas, provavelmente mais ativas do que antes. Mas como isso é possível? Temos dois fatores que podem explicar esse fenômeno. O primeiro é bastante óbvio. Comunidades estabelecidas e engajadas antes da pandemia,
continuaram engajadas durante a pandemia. A ausência de um espaço físico para o encontro não foi determinante para sua sobrevivência. Aliás, presenciamos inúmeras vezes a eficiência das comunidades engajadas nesses tempos difíceis, de almoços coletivos em varandas a rodízio de compras para pessoas mais vulneráveis, como idosos e portadores de doenças crônicas.
O segundo ponto, menos óbvio, foi justamente a constatação de que as comunidades independem do espaço físico para existirem. Não chega a ser uma novidade, mas foi um comportamento acelerado pelo isolamento social. Se a cidade é o lugar do encontro por excelência e esse encontro passa a ser virtual, proporcionado pela tecnologia, podemos presumir que a cidade se desmaterializou. Presenciamos comunidades não mais formadas pela quadra ou pela rua, mas pelo mundo todo, via tecnologia. Não foram poucas as interações com Europa, Estados Unidos, Escandinávia. De repente, o mundo se transformou naquela aldeia global que McLuhan previa ainda nos anos 60 do século passado.
Ainda não sabemos como será o comportamento urbano no mundo pós-normal, mas algumas lições foram aprendidas. As comunidades têm um papel fundamental na nossa vida cotidiana e o fortalecimento desses laços é essencial, inclusive para a nossa própria felicidade e, talvez agora, também para a nossa sobrevivência. Outra lição fundamental é a desterritorialização. As cidades e os lugares não são exclusivamente geográficos ou territoriais; são cada vez mais ligados ao comportamento, à identificação. Para isso, eu busco meus pares, onde quer que eles estejam, por meio da tecnologia. Não precisamos mais da praça para isso, ou, pelo menos, dependemos menos dela. Tão importante quanto pensar em equipamentos públicos “físicos”, o momento nos mostra que precisamos pensar numa outra forma de encontro, de espaços púbicos, agora também virtuais. E não, não teremos carros voadores por aí… pelo menos não agora.
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* Arquiteto e urbanista, Caio Esteves possui MBA em Branding pela Universidade Anhembi Morumbi (2006). Fundou a Places for Us em 2015, primeira consultoria especializada em Place Branding do Brasil. É autor do livro “Place Branding”, publicado em 2016, referência no tema no país. É colaborador e jurado do City Nation Place, congresso internacional de Place Branding em Londres; membro do Institute of Place Management de Manchester-UK e do Research Panel do The Place Brand Observer; associado ao International Place Branding Associaton (IPBA) e revisor convidado do Place Branding & Public Diplomacy. É idealizador e coordenador do MBA Place Branding das Faculdades Integradas Rio Branco (SP), e professor de branding e place branding em diversas outras universidades do país. Palestrante nacional e internacional em eventos sobre marcas-lugar e ambientes inovadores, qualidade dos espaços públicos, place branding e placemaking, é também colaborador frequente de sites e portais como The City Fix Brasil, O Futuro das Coisas, Archdaily e Place Brand Observer.